segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Doors wide shut


"Depois de casa roubada ... trancas à porta!"


Na escola primária, este foi um de muitos ditados populares que decorei. Sim, decorei! É que a vida já me mostrou que aprender é às nossas custas e não às de outros. Não aprendemos o que nos querem ensinar, aprendemos o que queremos! Portanto, tenho vivido para aprender os ditados que eu escolho por mim mesma.
E, acontece que, até à data, não quiz aprender este!

"Trancas à porta" ... expressão prima de outras tantas que me são tão bem conhecidas: "estou de portas fechadas ao mundo"; "fechei para balanço"; "agora quero viver a minha vida"; "não quero compromissos com ninguém"; "I'm free as a bird" ... e até mesmo da calã "agora é só p.... e vinho verde"!
Sim, quando escrevo sobre portas e trincos, não escrevo com qualquer conhecimento de engenharia civil ou mesmo de carpintaria ... escrevo com algum conhecimento da vida. Quando em criança, ouvi este ditado pela primeira vez, estou certa que o interpretei com pragmatismo: casa - ladrão - porta arrombada - fortuna roubada -família assustada - porta trancada. Faltava-me o conhecimento da vida ...
Primeiro desgosto amoroso e a adolescência já me queria ensinar outra versão do mesmo. Nessa altura já a minha Mãe me explicava que "não devemos deixar-nos gostar mais dos rapazes do que eles de nós", "filha, eles são todos iguais e nós é que temos de nos proteger" ... já os ladrões não arrombavam portas ... roubavam corações.

Porque é que não me explicaram em criança, que a casa não é de pedra e cal? Que é o coração ... que eu aprendera que era "a casinha dos sentimentos" ...
Porque é que não me explicaram que os ladrões são os rapazes? Deixaram-me crescer a imaginar que "quando fosse grande" ia viver com um numa casa ...
Porque é que não me explicaram como se tranca uma porta com o poder da mente? Fizeram-me assistir a milhentos espectáculos de magias e "abracadabras" ... mas não me ensinaram a fechar uma sem chave.
Porque é que não me contaram isto tudo em criança???

Não estou certa que tivesse escolhido aprender verdadeiramente o significado do ditado ... mas que teria sido muito mais interessante para o imaginário de uma criança ... claro que sim! Uma casa que é roubada e os donos que com medo trancam a porta? Que piada é que isso tem? O que é que uma criança quer aprender disso? Pois ... exactamente o que eu escolhi aprender: NADA!
Assim sendo, chorei o que tive de chorar na adolescência, e cá estou, adulta, de coração muitas vezes roubado, com alguns ladrões importantes no currículo emocional ... e ainda sem aprender como se trancam portas sem chaves.
Eu não aprendi. Mas, nos dias que correm, iludindo-me de que o que as pessoas dizem corresponde ao que realmente são ou querem ser, parece-me cada vez mais que represento uma minoria. Sim, são tantos e tantos os adultos que se inflamam ao expressar o orgulho em serem livres, em não se entregarem a nenhuma relação, em estarem de portas fechadas ... que eu até poderia considerar que a minha prematuridade não me permitiu chegar até à fase em que no final da vida intra-uterina as mães entregam aos bebés as chaves das suas casinhas dos sentimentos. Não encontraria uma explicação melhor, tendo em conta que tive uma infância e uma adolescência comuns ... e que chego à idade adulta sem as chaves que outros dizem ter.
E, comparando a minha vida adulta com as outras que vou conhecendo, até já se justificava que os meus pais tivessem pensado numa porta blindada e em 8 trincos como presente pelos meus 7 meses de gestação ...

Pertenço à geração do "é para o que é", das "one night stands", das "relações abertas".
Falar de sexo deixou de ser tabú antes ainda de eu nascer. Mas, lembro-me de em criança ouvir falar mais de emoções do que oiço agora em adulta. A rebeldia sexual aparece elogiada nos relatos de luxuosas orgias de "eyes wide shut" , enquanto que as emoções não se escrevem nem se falam ... trancam-se ... e escrevem-se artigos que incentivam o coração a viver de "doors wide shut".
Noto uma evolução da liberdade sexual e uma involução da liberdade emocional. As crianças crescem com pouca vivência da sexualidade e muita exuberância emocional ... os adultos mostram-se cada vez mais exuberantes sexualmente e cada vez mais contidos nas emoções. Muitos são os que não abdicam da liberdade sexual, mas (segundo dizem) repelem todo e qualquer envolvimento emocional. E, eu não venho aqui escrever com qualquer idealismo puritano de "inexistência de sexo sem amor ou sem paixão" ... por favor ... sei bem em que século estamos! Sexo por sexo, faz parte tanto da vida dos solteiros como da vida dos casados e dos amantizados.
O que venho dizer é que eu não aprendi a voluntariamente evitar envolvimentos emocionais. Não sei como é que se escolhe não gostar de ninguém. Desconheço as estratégias que tornam essas escolhas continuamente viáveis. E ... para ser honesta ... não acredito em super-heróis!
Se os outros se gabam de ter corações com portas de aço ... eu gabo-me de não negar as minhas origens alentejanas: a porta do meu tem postigo!

Em suma, eu não conheço forma de inibir emoções e vivo rodeada de pessoas que se vangloriam por controlarem as suas. Para mim, uma relação, uma paixão, um amor, um compromisso, são essencialmente construções emocionais e não racionais. A racionalidade está presente e há escolhas ... mas nem tudo pode ser controlado ... principalmente na sua origem.
De que é que me serve afirmar que "estou de portas fechadas", se não sei como evitar que as emoções escapem pelas janelas?